12.1.15

Vozes que cantam

 
Vozes que não deixam morrer.
Vozes que chegam através da palavra escrita.
Vozes de longe trazendo para perto outras realidades.
Vozes para escutar e procurar mudança.
 
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Se permanece intacta a força dos landays*, parece que essa faculdade de improvisação perdura ao preço de um sobressalto cada vez mais desumano. Porque no exílio a mulher pashtun se encontra privada de todas as suas tarefas e prerrogativas. Confinada à área da sua tenda, ela é cada vez mais limitada pela pressão acrescida dos preconceitos religiosos. Já não tem os campos a cultivar, já não tem licença de andar com o rosto descoberto, nem a liberdade de cantar e dançar durante os casamentos. Torna-se uma espécie de peixe lançado fora da água e que expira, semelhante a uma planta arrancada que seca sob um sol escaldante.
Quanto aos homens, não se apercebem da dor das mulheres. Consideram-nas como auxiliares úteis que trouxeram consigo, como os camelos, as cabras ou os cavalos que constituem o seu património. No entanto, sem que o saibam ou sintam, as mulheres deixaram de lhes pertencer. Deixaram os seus corações longe e as suas almas vagueiam ainda pelos vales do Afeganistão. Por excesso de sofrimento, por redobrada mutilação, conseguem mais uma vez enganar os seus companheiros e destituí-los do seu bem, pois são apenas seres desertos.
Simultaneamente dura e terna, astuciosa e ingénua, violenta e doce, a mulher pashtun personifica a exilada absoluta. Mantém-se à distância da sua alma e sobrevive como que separada do seu coração. Excepto no que diz respeito ao combate patriótico - permanece indiferente às gesticulações dos homens assim como aos jogos das crianças. O seu único desejo é ir uma vez mais buscar água à fonte da sua aldeia, junto às altas montanhas nevadas.
 
Esta mulher exilada não pára de morrer
Voltai-lhe o rosto para a terra natal, para que ela exale o seu último suspiro

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A VOZ SECRETA DAS MULHERES AFEGÃS por SAYD BAHODINE MAJROUH (1928-1988)
Versão portuguesa por ANA HATHERLY - Editora Cavalo de Ferro, 2005, pp 48-49

 
*género particular na poesia popular/oral em língua pashtun