17.10.18

"o encanto das situações abertas"


Quando eu era criança, a minha avó Shlomit explicou-me a diferença entre judeu e cristão: «os cristãos», disse, «acreditam que o Messias já veio uma vez ao mundo, e que um dia voltará. Nós os judeus», acrescentou, «acreditamos que o Messias ainda não veio, mas que virá um dia. Esta divergência», reflectiu a avó em voz alta, «trouxe ao mundo tanto ódio e ira, perseguição dos judeus, inquisição, pogroms, assassínios de massa. E afinal, para quê?», perguntou ela. «Porque é que não nos pomos de acordo, todos, judeus e cristãos, e esperamos pacientemente para ver o que acontece? Se o Messias vier um dia e disser: "Há muito que não nos vimos, mas estou muito contente de voltar a ver-vos" - os judeus terão de reconhecer o seu erro. Mas se o Messias vier e disser: "How do you do? Tenho muito prazer em conhecer-vos", o mundo cristão todo terá de pedir desculpa aos judeus. Até lá», concluiu a avó, «até à vinda do Messias, porque não havemos de viver e deixar os outros viverem?»
Sim, a avó Shlomit estava de facto vacinada contra pelo menos alguns tipos de fanatismo. Conhecia o segredo de viver numa situação aberta e talvez até apreciasse o encanto das situações abertas, o prazer da variedade e a riqueza que nos reserva uma vida rodeada de pessoas diferentes de nós que têm crenças diferentes das nossas e costumes totalmente diferentes.


Amos Oz in "Caros Fanáticos", Publicações D. Quixote, Setembro 2018, pp 48-49




«A vida não é branco ou preto» - Nair Out'2018