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Olhar para o mundo é tudo o que lhe resta. A natureza é sustentável, perfeita. Quando todos partem, há uma sombra esperando por ti. Quando não tens um poiso, há um morro, dunas, um tronco morto à beira do caminho esperando por ti. Uma paisagem bela no horizonte para preencher o vazio. Mesmo que haja fogo no peito há chuva, há vento, há orvalho para arrefecer a dor e acalmar a fervura. Quando o coração penetra nas trevas tenebrosas há sol, há lua, há estrelas no céu para acender a vela da esperança. A natureza está repleta de sons e poemas que te preenchem os ouvidos desertos de palavras de amor.
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O deserto faz ouvir com nitidez todos os sons do teu corpo. E recorda-te que existes. Que és carne, és cinza, poeira, e como os ventos também passas. Ensina cada um a sentir a sua própria presença e a valorizar uma gota de água. Longe da vegetação, o deserto espelha a tua consciência. E te obriga ao confronto com a tua própria imagem até ao diálogo e à reconciliação. O deserto te faz compreender que a vida é uma tempestade de areia, uma nuvem no alto que vagueia, que passa, que chove e desaparece. Mostra que de nada vale estar rodeado de multidões porque a dor é solitária, íntima e surda.
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O ALEGRE CANTO DA PERDIZ por Paulina Chiziane - Editorial Caminho, 2008, pp 293-294