2.11.09

Ritmos


 
Sempre existiram e sempre existirão pessoas que tentam contrariar os ritmos mais alucinantes da sociedade.
Algumas opções geram sentimentos cómicos...

Serão as gargalhadas proibidas?...

:)

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Apresentei o meu requerimento de filiação no Slow Club, uma secção do qual surgiu também na nossa cidade. Entre os dados do meu curriculum indico que ando a pé e não tenho carro nem carta. De facto, ao "desgaste da vida moderna" o clube contrapõe não remédios e bebidas à base de ervas, mas um hábito, um modo de vida completamente anacrónicos. O clube tem a sua sede numa vivenda de estilo vagamente apalaçado; não tem telefone e os quartos são mobilados num estilo que vai de Tudor ao Biedermeier. É aquecido a lenha e os jornais só chegam com alguns anos de atraso, o que ocasionou longos acordos com as várias administrações e preços particularmente desfavoráveis. O secretário que me acompanha pelos vários locais faz-me notar que o retrato mais recente é o da bela Otero e que o poeta mais jovem admitido na biblioteca é o glorioso Baffo. Na sala de leitura pode admirar-se um velho relógio alsaciano daqueles com o cuco. No bar há apenas camomila, tisana, ponches de mandarim. Os jogos consentidos são as damas, tômbola e o pato; não xadrez, que requer demasiado dinamismo intelectual. No Slow não são admitidas mulheres nem pessoas que falem muito ou que tenham preocupações de proselitismo: oficiais e padres, por exemplo.
Enquanto observo a encadernação de uma colecção da Scena Illustrata chegam aos meus ouvidos as conversas de alguns sócios. Eis as que tenho na memória.


Primeiro sócio.
- O colega Wickers, do clube de Chicago, que estuda o ritmo vital dos caracóis, dizia-me que o deles não pode ter comparação com o nosso. Se um caracol conseguisse ver na perfeição, não colheria nada de nós, mas apenas o arranque de um reactor, do qual não conseguiria distinguir movimentos e sons. Wickers enviou-nos as suas obras em velocidade retardada; e creio que daqui a dois anos poderão ser consultadas na nossa biblioteca.


Segundo sócio.

- Ontem casou-se uma pessoa da minha família. Recebereis a comunicação daqui a alguns meses. Estava noiva em (19)14, mas chegando-lhe a notícia de que seu pai tinha sido gravemente ferido na guerra, fizera a promessa a Nossa Senhora de não casar sem que primeiro tivesse acabado de bordar com as suas mãos não sei se três ou quatro centos de "casulas" para a missa. Quando o pai se curou e o noivo regressou são e salvo da guerra, a rapariga não quis deixar de cumprir o voto. Há um mês a última casula estava finalmente concluída: e assim o noivo, renovando sem saber a bela história de Isac, conseguiu levá-la ao altar depois de trinta e três anos de fiel espera.

(…)

Queria escutar mais, mas alguns rostos descorados levantavam-se das poltronas para observarem suspeitosos o desconhecido, e o cuco apareceu por seis vezes no relógio para marcar as horas (cu cu, cu cu, cu cu, cu cu, cu cu, cu cu) com uma lentidão exasperante; àquele som todos disseram: - Fez-se tarde – e levantaram-se.


- Daqui a alguns anos receberá resposta ao seu pedido – disse-me o secretário acompanhando-me. - Se não se falar muito em si, é provável que você não seja blackboulé. Já mandei vir uma carruagem para si.


De facto, diante da porta um phaeton puxado por um cavalito e conduzido por cocheiro de libré esperava-me para me levar à cidade.
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in «A Borboleta de Dinard» de EUGENIO MONTALE, Veneza, 1956