Novo ano, novo dia
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O Rei da Cidade de Corinto, o poderoso e inteligente Sísifo, andou para aí a fazer mais que uma coisa que desagradou aos Deuses e mesmo ao próprio Zeus,
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O Rei nu, o soberano, os músculos contraídos quase a ponto de rebentarem, imprime-se com todo o seu corpo, com todo o seu ser, à pedra angulosa, como se estivesse deitado de esguelha sobre a mesma: talvez imagine debaixo de si a macia Sofia. E está só, na sua proximidade não há vivalma. A metade esquerda da sua cabeça fende-se de dor até a esse coração pequeno e frágil e das raízes arrancado.
Ele pragueja e chora de desespero, talvez se encontre precisamente a meio do caminho, no ponto morto do plano inclinado, numa situação indeterminada entre o cume e o abismo. Reza, enfurece-se, já nada finge, ele é sacudido pelo medo e pela loucura do esforço vão. E mesmo assim, ou assim parece, ele gosta dessa pedra, apaixonou-se por ela. É o seu retrato fotográfico, uma parte da alma e o seu sentido, a sua liberdade interior. É que, o que acontece se conseguir levar a pedra até ao cume sem que caia? Ele perde o emprego, perde a sua profissão.
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Ele nunca vencerá o poder da gravidade mas, contrariamente à lógica corrente, de uma forma absurda ele dá origem aos acontecimentos da História, produz a ideia da forma irredutível de que o espírito humano se encontra inserido no cosmos. Se por uma vez conseguisse empurrar a pedra para cima, ele venceria. Mas seria um vencedor? Seria um herói? Um vencedor já é há muito tempo, uma vez que as suas derrotas e os seus fracassos contínuos ainda não o quebraram; ele vai vencendo de forma heróica e diária a sua própria fraqueza. A coragem de sempre começar de novo, do nada, do zero – e de não se deixar abater, de não parar.
Afinal porque não?
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Ivan Kadlečík in “Rapsódia e Miniaturas”